25/01/2016 - Por: Brasil Econômico
O governo federal prepara uma estratégia para turbinar as ações contra empresas culpadas por acidentes de trabalho de seus funcionários. A projeção é dobrar, até 2017, o ritmo apresentação de processos de cobrança à Justiça, e priorizar os casos coletivos, em que INSS busca ressarcimento pelos benefícios pagos a centenas de empregados de um mesmo patrão.
Quando um acidente de trabalho causado pelo empregador leva à concessão de um benefício previdenciário – como auxílio-doença ou pensão por morte, pago à família da vítima – o INSS pode ir à Justiça para reaver os recursos.
A cada ano, cerca de 400 ações de cobrança desse tipo – conhecidas como regressivas – são levadas à Justiça. O número de benefícios previdenciários decorrentes de acidente de trabalho, entretanto, é bem maior: em 2013, último dado consolidado, 377 mil novos foram concedidos pelo INSS.
Embora nem todos sejam de responsabilidade do empregador, a Procuradoria-Geral Federal (PGF), que representa o governo na Justiça, considera que o número de processos é tímido demais. Para elevar o volume de ações, o órgão criará neste ano um grupo especializado nessas ações, diz o chefe da Divisão de Gerenciamento de Ações Regressivas e Execução Fiscal Trabalhista da PGF, Nícolas Calheiros. A ideia é chegar a cerca de 800 processos por ano em 2017.
"Essa média [de 400 por ano] é muito baixa. O número de acidentes é muito maior. O problema [então] está dentro, na estrutura da casa [PGF]. Aí a gente resolveu pela primeira vez pensar numa especialização. Ou seja, [ter] alguns procuradores federais [que] só atuem no ajuizamento dessas ações regressivas", diz Calheiros. "E para esses procuradores especializados vai haver metas de ajuizamento, acompanhamento próximo da Procuradoria-Geral Federal (PGF)."
A segunda medida é a assinatura de um convênio com o Ministério Público do Trabalho (MPT) para a definição de estratégias comuns nacionais de combate à insegurança no trabalho e troca de informações. "Esse grupo vai fornecer os dados para que aqueles procuradores, que vão ser especializados, passem a ajuizar de uma forma mais eficaz [as ações regressivas]", afirma Calheiros. O MPT não comentou.
Coletivas
A elevação no valor dos processos virá da priorização das ações coletivas, em que a cobrança envolve centenas de benefícios pagos pelo INSS. Nesses casos, o valor exigido das empresas está na casa dos milhões de reais.
"As ações coletivas têm um impacto pedagógico muito maior do que uma ação individual porque a empresa de fato vai ser obrigada a perceber os riscos sociais [de sua atividade]. E o retorno financeiro é maior", diz o procurador-federal.
Atualmente, a AGU tem três ações coletivas, nas quais busca o ressarcimento de pouco mais de 900 benefícios do INSS. Em um dos casos, o governo acusa a Contax, que atua no ramo de telemarketing, de obrigar o INSS a pagar 330 auxílios-doença a funcionários que sofreram lesões por esforço repetitivo, doenças de olho e do aparelho respiratório, além de nove casos de transtornos mentais decorrentes do que os procuradores consideram “gestão desumana” adotada pela companhia. O valor total da cobrança não foi calculado.
Em nota, a Contax afirma que apresentou seus argumentos à Justiça e que não houve decisão até o momento. A empresa, que tem 60 mil funcionários, argumenta que cumpre a legislação trabalhista e se mantém aberta ao diálogo com o Ministério do Trabalho.
As outras duas ações foram movidas contra frigoríficos. Do Doux Frangosul, o governo espera receber cerca de R$ 720 mil referentes a 111 benefícios pagos a abatedores que desenvolveram doenças por causa de "condições de labor inadequadas". Da Big Frango (hoje JBS), a expectativa é obter R$ 3,6 milhões por cerca de 500 benefícios previdenciários decorrentes de amputações, fraturas e outras lesões.
A JBS informou que ainda não foi notificada do processo. Advogado da Doux Frangosul, Anderson Vilela Vianna afirma que houve irregularidades no processo administrativo do INSS em que a empresa foi responsabilizada pelos problemas enfrentados pelos trabalhadores, e que foram cobrados benefícios pagos mais de três anos antes da apresentação da ação à Justiça, o que não seria possível.
Vianna também questiona como o governo conseguiria comprovar, nos processos coletivos, que os empregadores tiveram culpa nos acidentes – condição necessária para que haja cobrança de ressarcimento.
“O que a gente teme é que nas ações coletivas [a culpa dos patrões] não seja analisada devidamente pelo Judiciário”, afirma. “O Judiciário vai ter de se debruçar sobre as ações regressivas, principalmente as coletivas. Está havendo um exagero nas ações regressivas, uma sanha arrecadadora”.
O gerente jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Cassio Borges, avalia que nem sempre o governo tem "atentado" para a obrigação de provar a culpa dos empregadores pelos acidentes ao propor ações regressivas, e teme que o problema se agrave nos processos coletivos.
"No momento em que há necessidade de caracterizar essa conduta negligente do empregador, você corre o risco de, em medidas coletivas, ter uma dificuldade dessa caracterização que muitas vezes é individual, que vai variar de empregador para empregador”, afirma. “O receio justamente nessas medidas coletivas é que o Estado, no momento em que venha cobrar [o ressarcimento], justamente queria passar por cima disso e venha tratar tudo como uma questão homogênea”.