29/11/2016 - Por: ANAMT

(arte: Beto Soares / Estúdio Boom)

Para manter a sociedade funcionando 24 horas, cerca de 20% da força de trabalho do país, ou seja, em torno de 20 milhões de brasileiros trabalham à noite nas mais diversas atividades produtivas e de serviços: supermercados, farmácias, postos de gasolina, hospitais, aeroportos, transporte, produção de alimentos, siderúrgicas, entre muitas outras.

Especialistas afirmam, no entanto, que trocar o dia pela noite, além de causar prejuízos para a saúde física e mental dessa população, aumenta o risco de acidentes principalmente devido a distúrbios do sono, que comprometem a capacidade cognitiva do trabalhador, ou seja, partes do cérebro que gerenciam as informações e o pensamento crítico ficam menos ativas, afetando o pensamento lógico e o desempenho.

"Dormir à noite não é uma convenção social", afirma a professora Frida Marina Fischer, do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Ela explica que o ritmo biológico do organismo humano se comporta de forma diferente durante o sono noturno e o estado de vigília. "A troca de horários, portanto, pode causar sérios problemas de saúde, como fadiga, riscos cardiovasculares, transtornos digestivos, entre outros", diz a especialista.

Estudos mostram que a fadiga é um risco operacional presente em muitos acidentes industriais, a exemplo do desastre nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. A exposição dos trabalhadores a longas jornadas de trabalho e sonolência excessiva resultou em um erro na operação dos sistemas de segurança, causando o acidente.


Saiba quais são os direitos de quem faz trabalho noturno

Trabalho noturno, de acordo com o artigo 73 da CLT, é aquele realizado entre as 22h e as 5h. As regras para quem trabalha à noite são um pouco diferentes. “O trabalho no período noturno é mais penoso ao trabalhador, por isso há o entendimento de que as horas devem ser tratadas de forma diferenciada”, afirma Aldo Martinez, sócio da área trabalhista do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados. Além de maior remuneração — com o pagamento do adicional noturno — a hora trabalhada nesse período é reduzida.

Entenda como funciona o trabalho noturno, quais são os direitos do trabalhador que faz sua jornada nesse período e saiba como calcular o adicional noturno.


O que é considerado horário noturno?
De maneira geral, o período das 22h às 5h, mas existem algumas exceções. No caso de trabalhadores rurais que trabalham na agricultura, o horário noturno é considerado das 21h às 5h. Já para aqueles que trabalham na pecuária, o trabalho noturno é das 20h às 4h. Para trabalhadores portuários, o período noturno vai das 19h às 7h.


Quanto dura uma hora de trabalho noturno?
Diferente da hora de trabalho diurna, a hora noturna, para efeitos trabalhistas, não tem 60 minutos, mas 52 minutos e 30 segundos. Isso significa que a cada 52 minutos e 30 segundos, o trabalhador deve receber por uma hora de trabalho. Se o profissional fizer toda a sua jornada de trabalho em horário noturno, ele vai trabalhar sete horas, mas receberá por oito horas.


Hora de descanso
Apesar de a hora de trabalho noturna ser reduzida, o profissional continua a ter direito a um período de descanso. Aqueles trabalhadores com jornada superior a 6 horas, obrigatoriamente, precisam de um descanso de, no mínimo, 60 minutos. Neste caso, as empresas podem dar aos funcionários até 120 minutos de intervalo, se assim desejarem. Para trabalhadores com jornada de 4 a 6 horas, o período de descanso é de 15 minutos. Funcionários com jornada de até 4 horas não têm direito ao intervalo.


E se parte da jornada não for feita em horário noturno?
As horas anteriores às 22h são computadas como diurnas. Em relação às horas trabalhadas após às 5h, há alguma divergência. A CLT não é clara, mas a súmula 60 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou que “cumprida integralmente a jornada no período noturno e prorrogada esta também é devido o adicional quanto às horas prorrogadas”. Ou seja, se o horário de trabalho vai até as 6h, essa última hora também deve ser remunerada como uma hora noturna. “Como a lei deixa dúvidas sobre a extensão das horas, a Justiça veio e determinou que as horas prorrogadas são tratadas como período noturno”, afirma Martinez.

“O entendimento dos juízes trabalhistas hoje é de que a penosidade do trabalho noturno — que é comprovada até cientificamente — continua. Não é porque o relógio chegou às 5h da manhã que o trabalhador deixa de sofrer a penosidade de estar trabalhando à noite”, diz Silvio Senne, consultor da área trabalhista da Sage Brasil.


Como se calcula o adicional noturno?
O adicional noturno é de, no mínimo, 20% sobre o valor da hora diurna, mas esse porcentual pode ser aumentado por convenções ou acordos coletivos. “A cada 52 minutos e 30 segundos, o trabalhador tem direito a receber a hora normal do salário dele mais 20%”, afirma Senne.

O primeiro passo é calcular o valor de uma hora normal. Considerando uma jornada de trabalho de 8 horas de segunda a sexta-feira, deve-se dividir o salário por 220. O resultado é o valor recebido por hora. Agora, é preciso avaliar quantas horas da jornada de trabalho são consideradas horas noturnas. Se o horário de trabalho for das 18h às 2h, por exemplo, as quatro primeiras horas são consideradas horas diurnas, enquanto as quatro últimas são horas noturnas.

Exemplo:
Horário de trabalho: 22h às 6h de segunda a sexta-feira e das 22h às 1h30 aos sábados (44 horas semanais)*
Salário mensal: R$ 2.200
Salário por hora trabalhada em período diurno: R$ 2.200 ÷ 220 = R$ 10
Salário por hora noturna: R$ 10 x 1,2 (adicional de 20%) = R$ 12 (Adicional de R$ 2)
Número de horas noturnas de segunda a sexta-feira: 8 horas
Número de horas noturnas aos sábados: 4 horas

Total a receber no mês:
 Considerando que todas as horas trabalhadas são noturnas, o adicional incide sobre o salário integral do trabalhador, então: R$ 2.200 x 1,2 = R$ 2.640

*considerando uma jornada de 8 horas e que a hora noturna será de 52 minutos e 30 segundos,  com uma hora de descanso


Hora extra noturna
O pagamento da hora extra e do adicional noturno se acumulam. Ou seja, qualquer funcionário que fizer horas extras entre as 22h e as 5h tem direito ao adicional noturno sobre as horas trabalhadas nesse período, além do acréscimo de 50% (no mínimo) sobre a hora normal de trabalho. Por exemplo, se um trabalhador tiver horário habitual das 13h às 22h e fizer uma hora extra (até as 23h), essa hora extra segue também as regras do trabalho noturno — inclusive a hora reduzida de 52 minutos e 30 segundos.


A empresa pode trocar o horário de trabalho de um funcionário de noturno para diurno?
A questão é polêmica. “Essa é uma grande discussão, uma polêmica que existe na jurisprudência dos tribunais”, afirma Martinez, do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados. Isso acontece porque a lei determina que uma mudança no contrato de trabalho não pode ser lesiva ao trabalhador. “Se o trabalho é alterado de noturno para diurno, apesar de se estar reduzindo o salário do trabalhador, que vai deixar de receber o adicional noturno, o entendimento é de que se está dando uma condição de saúde melhor àquele trabalhador, então isso não é considerado lesivo”, diz o advogado.

No caso contrário, explica ele, se a mudança tiver a concordância do trabalhador, a Justiça tem aceitado. Mesmo assim, a alteração não é isenta de risco para a empresa, já que o juiz pode entender que se tratou de uma alteração lesiva do contrato de trabalho e que o funcionário foi coagido a concordar com a mudança de horário.

“Qualquer alteração no horário de trabalho só é válida, caso haja concordância expressa das partes e não haja qualquer prejuízo direto ou indireto para o trabalhador”, diz Senne, da Sage Brasil. “Por exemplo, você foi contratado para trabalhar das 8h até as 17h, mas em algum momento o empregador diz que precisa que você trabalhe à noite. Se esse trabalhador estuda à noite ou tem um filho pequeno que precisa buscar na escola, já vejo prejuízos indiretos, que vão afetar a vida do trabalhador”, afirma.


Se um trabalhador noturno passa para horário diurno, ele ainda tem direito ao adicional?
Não. “Mesmo se o trabalhador recebesse habitualmente o adicional noturno, se seu horário for alterado para diurno, a empresa não é obrigada a continuar pagando o adicional noturno e não há mais obrigatoriedade de considerar hora reduzida”, diz Martinez.


A empresa pode “embutir” em um salário fixo o adicional noturno?
Não. “Isso acontece muito na prática, e muitas empresas que praticam isso acham que estão fazendo o certo, mas é muito perigoso”, afirma Senne. A súmula 91 do TST diz que “Nula é a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direitos legais ou contratuais do trabalhador.” O consultor afirma que todos os adicionais devem discriminados.