15/07/2015 - Por: Raquel Morais / G1

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou a Souza Cruz a indenizar em R$ 100 mil uma cliente que desenvolveu uma doença rara por causa do consumo de cigarros e já precisou amputar oito dedos. Ela afirma que fumou por quase 30 anos, estimulada pelas propagandas que associavam o hábito a pessoas atraentes e bem-sucedidas. A empresa nega responsabilidade e informou que vai recorrer da decisão.

O processo corre desde 2001. Laudos anexados à ação mostram que a mulher, que atualmente tem 52 anos, desenvolveu tromboangeíte obliterante – uma síndrome que provoca o entupimento de veias e artérias em fumantes. A doença é progressiva e causa a necrose em pontas de membros do corpo humano.

Advogado da vítima, Leonardo Roriz afirma que ela teve dificuldades para deixar o vício de lado e no início da disputa judicial ainda pedia ajuda da Souza Cruz para custear os tratamentos de desintoxicação. O auxílio foi negado. Na época, ela fumava três maços por dia.

Desde então, a mulher toma medicação diariamente e, quando entra em crise, precisa receber cerca de 90 injeções ao longo de 30 dias. Cada dose custa R$ 150, e o remédio não é fornecido pela Secretaria de Saúde. A aquisição via rede pública depende sempre de processos judiciais.

"Depois que se larga o cigarro, a doença estabiliza, mas a pessoa precisa frequentemente ser encaminhada para tratamento", afirma o advogado. "Neste momento ela está em crise e está com um dos dedos em faixa de necrose. Essas aplicações são para facilitar a coagulação. O que acontece? O dedo começa a ficar vermelho e soltar uma secreção. Vai necrosando até aparecer o osso. Esse processo, quando não tem o tratamento, é muito rápido, demora um mês."

Roriz também diz que a condição causou vários outros danos à vida da vítima. A mulher trabalhava como assistente administrativa e teve de ser aposentada por invalidez. Além disso, não se sente confortável em locais públicos por ficar constrangida em relação às oito amputações de dedos dos pés e das mãos.

"Ela evita festas, ambientes com várias pessoas. Não casou, vive com a mãe e a irmã. E tem ainda outra coisa: ela não pode usar transporte público, porque, se alguém pisar no pé dela, encostar, vai piorar. Ela toma o máximo de cuidado com o tipo de sapato, não faz longas caminhadas. A dor é intensa e não passa. Ela aprendeu a conviver. Alivia, mas não passa", explica.

Para o juiz da 4ª Vara Cível de Taguatinga, José Roberto Moraes Marques, não há dúvidas de que existe relação entre o consumo de cigarros e os problemas de saúde desenvolvidos pela mulher. O caso passou a ser classificado em segredo de Justiça no site do tribunal nesta terça-feira (14).

“Nesse quadro, pelos elementos trazidos aos autos, indiscutível a figura do dano estético, dadas as diversas sequelas suportadas pela autora frente à doença", declarou o magistrado na sentença.

Por e-mail, a Souza Cruz disse que já foram proferidas mais de 500 sentenças que rejeitaram ações semelhantes. "A decisão contraria o entendimento consolidado em diversos tribunais de Justiça do país, inclusive no próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e no Superior Tribunal de Justiça, que já se pronunciou diversas vezes sobre o descabimento desse tipo de demanda."