26/10/2021 - Por: G1 - Globo.com EU ATLETA
Trago uma reflexão sobre uma crítica que eventualmente aparece contra o consumo supostamente exagerado de suplementos com proteínas e que isso poderia trazer danos a nossa saúde. A crítica se faz devido ao aumento do consumo desses suplementos ao redor do mundo e como isso poderia impactar a nossa saúde a longo prazo. Mas talvez os críticos tenham se esquecido que esse movimento é decorrente e em oposição ao consumo exacerbado do açúcar. Logicamente não estou aqui para guiar ninguém para consumo exagerado de proteínas, mas vamos recorrer à ciência para responder algumas perguntas.
Não podemos esquecer que a proteína é o macronutriente mais importante para o corpo humano e uma alimentação rica em proteínas é capaz exercer efeitos benéficos sobre sobre o nosso metabolismo. No entanto, como abordei acima, atualmente nossa alimentação é rica em carboidratos e um número crescente de estudos mostram que o consumo de proteína na nossa dieta é cada vez menor. No Brasil, por exemplo, esse cenário parece ser ainda pior.
Estudos recentes mostram que ter uma alimentação rica em proteínas está relacionada com:
- Redução do estresse oxidativo;
- Manutenção da massa muscular;
- Diminuição da prevalência da obesidade;
- Melhora da resistência à insulina;
- Diminuição da hemoglobina glicada;
- Redução do risco cardiovascular;
- Melhora imunológica.
Face ao esgotamento dos recursos naturais e do crescimento populacional, novas estratégias para uma dieta rica em proteínas têm sido propostas, uma vez que a sustentabilidade do consumo de carnes de origem animal pela população é extremamente onerosa para o meio ambiente. Por esse motivo, diversos produtos agroindustriais ricos em proteínas têm tido grande crescimento em todo o mundo. Um deles é o whey protein, um dos suplementos nutricionais mais consumidos no mundo.
O que é o whey protein?
O whey protein, ou proteína do soro do leite, foi considerado um resíduo pela indústria de laticínios por décadas. Mas felizmente o seu potencial como um suplemento está sendo reconhecido nas últimas décadas. O soro de leite contém de 15 a 20% de proteínas totais do leite com alta qualidade nutricional e de rápida absorção. Essa proteína do soro do leite é globular com os seguintes componentes principais: beta-lactoglobulina (35-65%), alfa-lactoglobulina (12-25%), imunoglobulinas (8%), albumina (5%) e a lactoferrina (1%).
O whey protein é, também, uma fonte rica de aminoácidos de cadeia ramificada: leucina, isoleucina e valina (BCAA) e outros aminoácidos essenciais, como a cisteína (o precurssor da glutationa um potente antioxidante). A leucina é um dos aminoácidos mais abundantes do whey protein e desempenha um papel fundamental na regulação da síntese de proteínas musculares, como mostra estudo publicado em 2014.
Qual a diferença entre whey protein concentrado, isolado ou hidrolisado?
Ao contrário do que muitos pensam existem, diferentes métodos utilizados para a extração das proteínas do soro do leite. Com base na sua concentração e seus atributos, o whey protein é comercializado nas seguintes formas:
Whey concentrado: não sofre etapas de filtração rigorosa, possui gordura e lactose, juntamente com 29% a 89% de proteínas, dependendo da qualidade. O processo de filtragem mais simples não elimina a lactose e a gordura, o que torna a absorção mais lenta, não sendo o mais adequado para indivíduos com intolerância a lactose.
Whey isolado: contém 90% de proteínas. Existem dois tipos de whey isolado:
- O por troca-iônica onde o processo de filtragem é mais antigo e a desvantagem é o aquecimento que desnatura as proteínas e eleva a quantidade de sódio no produto final pelo processo químico;
- O isolado por microfiltragem a frio, um processo mais moderno que garante maior integridade das proteínas por não passar por aquecimento e tem menor teor de sódio.
Whey hidrolisado: a hidrólise consiste na quebra das moléculas de proteínas em peptídeos menores por processos químicos ou enzimáticos, o que facilita a absorção e o metabolismo. O processo de hidrólise favorece uma maior absorção intestinal do whey pela quebra dos peptídeos e uma maior biodisponibilidade dos aminoácidos. Uma boa alternativa para indivíduos com intolerância a lactose.
Tri-Whey e outras misturas: inúmeros tipos disponíveis no mercado (ex: concentrado + isolado + hidrolisado) ou a mistura de dois tipos. Não existem estudos randomizados que mostrem benefícios dessas misturas - sendo isolado + hidrolisado a melhor opção para intolerantes a lactose.
Quais os benefícios do whey protein para a saúde?
Existem diversos estudos científicos mostrando benefícios da proteína de soro de leite para nossa saúde. Ao contrário do que muitos afirmam, o whey tem benefícios muito mais importantes do que apenas o ganho muscular. Estudos recentes mostram a associação do uso do whey com a redução do estresse oxidativo, com a prevenção da perda muscular e a sarcopenia em idosos, com a diminuição da hemoglobina glicada e como uma boa opção para tratamento nutricional do diabetes 2.
Whey protein pode ser usado e traz benefícios para idosos?
Sim, é o que mostra o estudo randomizado duplo-cego controlado publicado em 2015 no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, que dividiu 45 homens com idade média de 69 anos em três grupos. O primeiro grupo recebeu 21g de whey protein com 9g de carboidratos e 3g de gordura; o segundo grupo recebeu apenas whey protein; o terceiro não recebeu whey, apenas uma dieta isocalórica. Foi avaliada a síntese muscular pós-prandial nos três grupos. Nos dois grupos que fizeram a ingesta de 21g de whey protein houve um aumento significativo (p<0,05) da síntese muscular quando comparados ao grupo que recebeu apenas carboidrato e gordura. O mais interessante desse estudo foi observar o aumento da insulina apenas no grupo que fez whey + carbo, o que sustenta a afirmação do poder anabólico da introdução do carboidrato pós-treino em associação com whey protein. Vale lembrar que indivíduos com mais de 60 anos de idade tendem a perda da massa muscular e a quadros de sarcopenia, o que torna fundamental a ingestão de valores adequados de proteína, como mostra esse estudo onde a síntese muscular foi significativamente maior no grupo que introduziu o whey protein.
Como o Whey Protein pode auxiliar no tratamento do diabetes 2?
O diabetes tipo 2 e a resistência à insulina são dois dos maiores problemas de saúde pública atuais e estão relacionados com uma série de complicações da hiperglicemia, como a perda da visão, a aterosclerose, a síndrome metabólica, úlceras em membros inferiores e a esteatose hepática. Estudos mostram que o whey protein pode diminuir os níveis de glicose no sangue e aumentar a liberação de hormônios que diminuem o apetite (leptina e PYY).
Além disso, uma descoberta recente publicada no meeting 2016 da Endocrine Society foi que o consumo regular do whey protein no café da manhã parece diminuir a glicemia pós-prandial, diminuir a hemoglobina glicada (HbA1c) e favorecer o emagrecimento. Esse estudo comparou três grupos com diferentes cafés da manhã: o primeiro grupo recebeu o café tradicional (carboidratos + 13g de proteína); o segundo grupo recebeu um café com ovos, queijo e atum contendo 36g de proteínas no total; o terceiro grupo recebeu apenas um shake de whey protein com 36g de proteína. O estudo evidenciou que o whey protein parece estimular o GLP-1 hormônio que possui potente ação na diminuição da glicemia através da estimulação da insulina e da inibição do glucagon. Na conclusão dos autores: “O whey deve ser usado como uma estratégia importante no tratamento do diabetes 2“.
Por que consumir diariamente o whey protein não engorda?
Estudo publicado em 2014 no Journal of the International Society of Sports Nutrition não mostra ganho de peso com a suplementação de whey protein em indivíduos praticantes de exercícios físicos. Nesse estudo 30 indivíduos bem treinados, com idade média de 24 anos, foram separados em dois grupos: o primeiro recebeu 1.8g/kg de proteína por dia (whey protein + alimentação). Já o segundo grupo recebeu uma aporte muito maior de proteína, foram 4.4g/kg de proteína por dia (whey protein + alimentação).
O resultado desse estudo foi muito interessante, pois apesar de os dois grupos terem resultados semelhantes do ponto de vista de ganho muscular, não houve aumento no percentual de gordura no segundo grupo, que recebeu uma alimentação hiperproteica 5,5x maior que o recomendado para uma pessoa sedentária (0,8g/kg dia), em comparação com o grupo que recebeu 1,8kg/kg de proteína. Importante ressaltar que a proteína também é fonte de calorias e o aumento na ingesta do segundo grupo foi de 835Kcal/kg por dia maior que no primeiro grupo. Portanto, em indivíduos praticantes de exercícios físicos, uma alimentação diária hiperproteica, mesmo acima do recomendado, não está relacionada com ganho de peso. Observamos a importância do acompanhamento com o nutricionista para que a suplementação com o whey protein possa ser absolutamente individualizada e adequada para cada indivíduo.
Whey protein pode causar lesão renal ou hepática?
Não. Dois estudos evidenciam que a suplementação com whey protein não está relacionada com lesão renal ou hepática. Um deles, de 2015, publicado no Journal of the International Society of Sports Nutrition, acompanhou 48 homens e mulheres por oito semanas e mostrou que o consumo de proteína, mesmo acima dos valores diários recomendados (3,4g/kg por dia), não mostrou alteração de escorias renais.
Outro estudo brasileiro publicado em 2013 no Appl. Physiol. Nutrition Metabolism foi feito com 32 roedores, que foram separados em quatro grupos: o primeiro grupo recebeu 1,8g/kg dia de whey + exercício de força; o segundo grupo fez apenas exercícios de força; o terceiro grupo recebeu 1,8g/kg dia de whey sem exercício de força; e o quarto grupo foi o controle. Após oito semanas de acompanhamento, foram analisados os valores de creatinina para avaliar a função renal e enzimas hepáticas nos quatro grupos. O primeiro grupo teve os menores valores entre todos, seguido do segundo grupo. O terceiro grupo que recebeu whey mas não fez exercício de força teve maior aumento dos marcadores entre todos os grupos. O estudo é muito interessante pois mostra que indivíduos que fazem treino de força podem ter benefícios com a suplementação de proteína em valores altos sem prejuízo para a função renal ou hepática. No entanto, indivíduos sedentários parecem não se beneficiar de suplementação de proteína acima do recomendado (até 0,8g/kg dia), o que poderia ainda estar associado com maior risco de lesão renal e hepática nesse grupo.
E o veggie protein? Ele tem os mesmos benefícios do whey?
Nos últimos anos houve um enorme crescimento na venda e no consumo dos suplementos à base de proteínas de origem vegetal (veggie protein). Até pouco tempo, escassas evidências científicas demonstravam que a ingesta regular desses suplementos poderia ter um benefício semelhante ao consumo do whey protein. Recentemente, novos ensaios clínicos confirmam que os suplementos proteicos vegetais parecem possuir qualidades equivalentes a proteína do soro do leite.
Afinal, devo fazer suplementação de proteínas?
Os benefícios dos suplementos de proteína são comprovados por diversos estudos para ganho de massa muscular, no auxilio ao tratamento do diabetes 2, no auxilio ao tratamento da obesidade e da síndrome metabólica e na prevenção da perda muscular excessiva relacionada ao envelhecimento. Mas, vale ressaltar que a suplementação não deve substituir alimentos e as doses devem ser sempre individualizadas. Por isso, a avaliação e o acompanhamento com o nutricionista é fundamental para indicar as melhores opções do mercado e para se obter apenas os benefícios nutricionais da suplementação. O acompanhamento com o médico também é essencial, principalmente, para indivíduos diabéticos, hipertensos, idosos, atletas de alta performance e indivíduos que estão em um programa de emagrecimento. Tenha sempre equilíbrio e coerência nas suas escolhas.
* As informações e opiniões emitidas neste texto são de inteira responsabilidade do autor, não correspondendo, necessariamente, ao ponto de vista do ge / Eu Atleta.