21/10/2021 - Por: G1 - Globo.com EU ATLETA
Na última quinta-feira, 14/10/2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a lei que permitia a comercialização dos anorexígenos anfepramona, femproporex e mazindol, que são remédios para diminuir o apetite, popularmente conhecidos como remédios para emagrecer, fechando ainda mais o já limitado leque de opções de tratamentos para a obesidade - que exigem uma mudança de hábitos, com dieta nutricional e inclusão de atividades físicas na rotina, mas que em alguns casos necessita de outras abordagens, como apoio psicológico e uso de medicamentos. Tudo começou em 2011, após a divulgação dos resultados do estudo SCOUT, onde foram avaliados pacientes que apresentavam altíssimo risco cardiovascular em uso da Sibutramina. Nessa ocasião, a ANVISA optou por suspender os registros de todos os medicamentos antiobesidade que possuem ação em sistema nervoso central. Atualmente, a Sibutramina é a única representante dos anorexígenos que possui registro pela ANVISA e é comercializada, escapando da decisão do STF.
Após a pressão exercida por muitos especialistas no tratamento de obesidade, a ANVISA, no fim do mesmo ano, revogou a decisão e retornou a atividade do registro da Sibutramina, mas manteve inativos os registros do Femproporex, Mazindol e Anfepramona. No entanto, esses medicamentos continuaram sendo comercializados pela farmácia magistral apoiados pela lei 13454/2017, sem que houvesse necessidade de registros pela ANVISA.
A obesidade atualmente chega a acometer cerca de 41 milhões de brasileiros, segundo a última pesquisa do IBGE, isso significa um em cada seis brasileiros. A retirada dessas medicações do mercado só prejudicou vários pacientes que faziam acompanhamento e uso regular dessas substâncias. O grande ponto em relação aos anorexígenos é a correta indicação dos mesmos: não são para todos os pacientes, devem ser indicados apenas em casos selecionados em que o médico detecta a necessidade de supressão do apetite e ausência de riscos. Mas a decisão do STF é tão arbitrária que não retirou a própria Sibutramina do mercado, o motivo de toda a discussão desde 2011. Segundo a médica Mariana Soldati “a retirada de outros anorexígenos do mercado pode trazer prejuízo para inúmeros pacientes, visto que a obesidade precisa ser vista e abordada como uma doença. Portanto, os médicos precisam de opções medicamentosas para seu tratamento.”
A obesidade é uma doença poligênica e multifatorial. Isso significa que possui uma herança genética forte e se manifesta na presença de componentes ambientais favoráveis como sedentarismo e maus hábitos alimentares - que podem ser desencadeados por várias justificativas orgânicas, como diminuição de serotonina, transtorno de compulsão alimentar que, para controle, dependem inclusive da associação de medicações antiobesidade que atuem cercando todos os pontos que levam o paciente a se tornar obeso.
Os anorexígenos são medicações seguras, mas por atuarem no sistema nervoso central, podem apresentar como efeitos colaterais agitação, aumento de pressão e taquicardia. Por isso, são contraindicados em pacientes com risco cardiovascular elevado ou com diagnóstico de algumas doenças psiquiátricas. Inclusive em vários outros países, como os Estados Unidos, muitas dessas drogas são aprovadas para o tratamento da obesidade com resultados significativos. Um dos exemplos que não temos no Brasil é a Fentermina, que em estudo recente mostrou-se benéfica em associação com a liraglutida.
Atualmente, no Brasil, possuímos três medicamentos antiobesidade: Sibutramina, Orlistate e a Liraglutida, sendo que essas últimas agem não no sistema nervoso central, e sim no intestino, promovendo esvaziamento gástrico, eliminação de gorduras pelas fezes e saciedade. Todas as demais medicações utilizadas são consideradas tratamentos off-label.
A Liraglutida, uma das medicações mais utilizadas no combate à obesidade, inclusive, de forma contraditória, é vendida em qualquer farmácia do Brasil sem prescrição médica. Ao meu ver, é no mínimo uma irresponsabilidade, visto que a liraglutida faz parte de uma classe medicamentosa dos análogos de GLP1 e, portanto, é considerada uma reposição hormonal que pode apresentar vários efeitos colaterais se administrada sem a correta indicação. Em outros lugares, como EUA e na Europa, não é possível comprar o análogo do GLP-1 na farmácia sem receita médica.
Retirar do mercado anorexígenos baseado em um estudo que os avaliou em uma população com alto risco para uso dos mesmos é no mínimo um erro de indicação de uma classe de medicações que são, sim, muito úteis como ferramentas no tratamento dessa doença que só cresce.
O grande desejo de nós, especialistas em obesidade, é que sejam aprovadas cada vez mais medicações antiobesidade, e não o contrário. A esperança é de evolução, não o contrário. Mas sempre com receita, para que sejam indicados de forma criteriosa pelos médicos. Afinal, seguimos em uma sociedade onde os leigos acham que obesidade “é falta de vergonha”, quando na verdade é uma doença que precisa de tratamento multidisciplinar e individualizado; em que inúmeros profissionais de saúde que “acham que sabem tratar obesidade” na verdade não o sabem; e na qual os especialistas sofrem cada vez mais com o preconceito e com a escassez de tratamentos eficientes para a obesidade.
*As informações e opiniões emitidas neste texto são de inteira responsabilidade do autor, não correspondendo, necessariamente, ao ponto de vista do ge / Eu Atleta / Policlínica.