05/11/2019 - Por: JPC Notícias

Receber notificações de mensagens, compromissos ou e-mails o tempo todo, registros de interações em redes sociais, na palma da mão ou na tela do notebook. Tudo isso gera um fluxo intenso de informações que sobrecarrega a mente e pode culminar em ansiedade e depressão. Em casos mais graves, pode gerar o Burnout. Segundo o Ministério da Saúde, a Síndrome de Burnout (Síndrome do Esgotamento Profissional) é um estado físico, emocional e mental de exaustão extrema, resultado do acúmulo excessivo de situações de trabalho que são emocionalmente exigentes e/ou estressantes, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. O termo vem do idioma inglês: burn (queimar) out (por inteiro).

Durante décadas, o Burnout não foi levado à sério. Erroneamente, foi visto como uma crise de Primeiro Mundo, inventada por aqueles que queriam mais equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. A pesquisa Gallup de 2018 com 7,5 mil funcionários em tempo integral revelou que 23% deles relataram sentir-se esgotados no trabalho com muita frequência ou sempre, enquanto 63% disseram vivenciar essa sensação às vezes.

Recentemente, a OMS (Organização Mundial de Saúde), incluiu o Burnout em sua Classificação Internacional de Doenças, alegando se tratar de uma síndrome resultante de estresse crônico no local de trabalho por não ter sido gerenciada com sucesso. No Brasil, 72% das pessoas sofrem com estresse no trabalho, segundo a Associação Internacional de Manejo do Estresse (ISMA), entre as quais 32% têm Burnout. “Porém, os números não devem ser exatos, uma vez que na prática médica do dia a dia, vemos muitas pessoas que sequer procuraram ajuda e tratamento. Há muita subnotificação”, acredita Abe.

Executar muitas tarefas ao mesmo tempo, muitas vezes por meio de uso excessivo da tecnologia, pode trazer consequências como aumento da ansiedade.

Antes da síndrome estourar, Juliana Orrico, psicóloga da Clínica Prof. Dr. Filippo Pedrinola e estudiosa do tema, muita gente começa a dar sinais anteriores como esgotamento físico e mental, crise de estresse, dor na lombar e na cervical, distúrbios de sono, aumento de ansiedade, vista turva, dispersão, dificuldade de concentração, ineficácia nas atividades realizadas, memória prejudicada, irritabilidade e isolamento social, depressão e ansiedade.

Chegamos a um ponto em que estamos acostumados a realizar muitas tarefas ao mesmo tempo, chegando a nos orgulhar por tal feito. No entanto, a multitarefa, muitas vezes impulsionada pela tecnologia, traz consequências – perda de eficácia na realização de atividades, baixa produtividade, aumento de ansiedade e distresse (estresse ruim). “Em pior grau, chegamos à Síndrome de Burnout ou esgotamento profissional”, afirma Juliana.

Para agravar o cenário, parece que vivemos na era do culto ao excesso de trabalho. “Existe um movimento muito grande iniciado pelos gurus e líderes de tecnologia do Vale do Silício que é essa necessidade absurda de se trabalhar muitas e muitas horas”, observa Santos. As empresas, não por acaso, planejaram ambientes corporativos que, de certa forma, criam um cenário em que você não precisa ir para casa. Elas oferecem refeições, servem snacks o dia todo, têm videogame, sala de descompressão e até mesmo ambiente para dormir. “Tudo isso tem o objetivo certeiro de te prender nesse ambiente. De fazer com que você não queira sair dele, de te fazer passar mais tempo no trabalho engajado com o que acontece lá dentro”, diz Santos.

E esse contexto também ganhou as mídias sociais, principalmente no LinkedIn, onde as pessoas postam conteúdos, vídeos e fotos muitas vezes à noite, nos finais de semana e feriados. “E isso te faz se sentir culpado por desfrutar um momento de lazer e descanso com amigos e família. Inclusive, um tweet bem polêmico de Elon Musk, o CEO de empresas como a Tesla Motors e SpaceX, veio a agravar esse cenário. Ele escreveu que nenhuma pessoa jamais transformou o mundo trabalhando 40 horas por semana”, diz.
Ou seja: ele abre mão de uma vida pessoal em prol das empreitadas tecnológicas que visam trazer inovações para o mundo. E Musk se vangloria disso. “Todo esse cenário tem contribuído muito para aumentar os níveis de estresse do homem moderno. Essa é uma das razões do Burnout”, avisa Santos, da Faap.

Excesso de trabalho + uso intensivo de tecnologia

Nos últimos 12 anos, o gerente de eficiência operacional Fabio Camargo, de São Paulo, viu ao vivo e em cores, nas diferentes empresas em que trabalhou, colegas vítimas de Burnout. Os acontecimentos acometeram, na média, homens e mulheres na faixa dos 30 anos, que atuavam em empresas de diferentes portes e setores. Em todos os casos, o excesso de trabalho aliado ao uso intensivo de tecnologia resultou numa rotina de muita pressão e cobrança. Um dos casos acometeu um colega de Camargo de 35 anos, funcionário de uma prestadora de serviço de assistência 24 horas para seguradoras. Vindo de um histórico de muito trabalho, ele viu o auge do estresse acontecer durante uma tragédia no Rio de Janeiro. Foram dois dias trabalhando virado, com o celular corporativo tocando sem parar e pedidos intermináveis até que o colega de Camargo ficou com a boca roxa, gelado e desmaiou. Voltou sem consciência e foi parar no hospital.

Na maioria dos casos, os colegas deixaram os empregos e fazem tratamento psiquiátrico até hoje. “O que eu tenho visto é uma síndrome que vem se agravando. Hoje, quanto mais você tem a necessidade de se mostrar perfeito, imbatível e invencível, a síndrome cresce. Quando vejo alguém assim, busco ajudar, o que nos ajuda a crescer como ser humano e sociedade”, conta. “É preciso entender que existem limitações externas como tempo e recursos. Deve-se tentar dosar tudo da melhor forma possível.”

A psicóloga Juliana volta à infância para explicar o impacto das redes sociais na vida do homem moderno. “Formamos crenças disfuncionais na primeira infância a respeito da maneira como vemos o mundo, a nós mesmos e os outros. Umas destas crenças é a comparação injusta, que seria sempre se comparar negativamente ao outro, se colocando em uma posição de menos valia” explica.

E as redes sociais promovem a estimulação destas comparações. “O indivíduo com baixa autoestima diminui a própria imagem quando vê a imagem de alguém feliz ou viajando em uma rede social”, alerta Juliana. Os jovens, por sua vez, se não compartilham fotos ou não estão nessas imagens, se sentem excluídos do contexto social. Diversas pesquisas comprovam o aumento de ansiedade e depressão por conta do uso exagerado e indevido das redes sociais.

Abe alerta para o lado ilusório das redes sociais, com as pessoas postando apenas “momentos” de realização, felicidade, sucesso, conquistas, nem sempre reais. “A comparação e competição social tem influência no burnout profissional, o que já se mostrou associado a sintomas de depressão, por exemplo.”

E qual é a saída?

Afinal, como conviver conectado a esse emaranhado de tecnologias que visam facilitar a vida e a comunicação sem, no entanto, sofrer danos psicológicos? A resposta está no equilíbrio. “Precisamos estabelecer limites em relação ao uso da tecnologia. A nós próprios e aos nossos filhos, que são nativos digitais”, aconselha a psicóloga.

Juliana diz que é imprescindível dar atenção plena ao que se faz e como se faz. Caso contrário, o indivíduo é absorvido pelo piloto automático, o que o impede de estar presente no momento presente. “É necessário mudar de hábitos”, avisa.

Uma vez decididas as melhorias desejadas para a vida, é hora de estabelecer limites de uso da tecnologia, com direito à hora de descanso, prática de meditação em atenção plena para exercitar o estar presente, diminuição das multitarefas e aumento do foco em um tema por vez.

Da mesma linha de pensamento é o perito médico do INSS, Dr. João Silvestre Silva-Junior, diretor da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT). “O horário e o formato do uso das tecnologias deve ser encarado como trabalho, obedecendo limites de horário e de complexidade, inclusive no que tange ao volume de tarefas ou dificuldade para realizá-lo”, defende. Portanto, o excesso de trabalho deve ser dosado com repouso e adequação do tamanho das equipes.

Abe recomenda reservar tempo para atividades físicas, lazer e diversão, trabalhos voluntários e descanso mental, se desligando totalmente. “Além de aliviar a sobrecarga da mente, tais ações promovem a liberação de hormônios cerebrais que geram sensação de bem-estar e ajudam no equilíbrio da saúde mental”, recomenda.

Para o diretor médico de Saúde Corporativa da EY, as técnicas de mindfulness são muito úteis, já que levam a pessoa focar somente no presente momento, promovendo maior controle das emoções por meio de técnicas simples que podem ser realizadas em qualquer lugar, a qualquer hora.

Outro ponto importante é a diminuição do convívio social “real”. Os relacionamentos são importantes para o bom desenvolvimento e bem-estar mental, mas o que vemos é a falta de contato pessoa-pessoa, isto é, as “amizades” são virtuais e superficiais.

Ana Merzel, coordenadora do Serviço de Psicologia e Experiência do Paciente do Hospital Israelita Albert Einstein, recomenda usar a tecnologia com moderação. Isso significa barrar chefes que ligam às 23h, 2h, 6h etc. Não importa a hierarquia nem o cenário. “No meu caso, eu não durmo com celular e não estou disponível 24 horas por dia. Meu celular fica na sala. Sono é importante”, ensina Ana.

Urgência e emergência, só para quem trabalha com plantão médico. Nas outras áreas, o horário das 22h às 6h deve ser respeitado e reservado para o descanso. Com a tecnologia é o mesmo. “O limite cada um tem que dar. A gente não pode virar escravo das redes sociais e nem dos grupos de WhatsApp.”