17/06/2019 - Por: G1

Pés de Cannabis sativa (maconha) são utilizados para a produção de Canabidiol (Foto: Carlos Brito)

O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicaram uma nota nesta quinta-feira (14) em que se posicionam contra a regulamentação do plantio de cannabis no Brasil. A proposta foi divulgada na terça-feira (11) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e prevê a liberação para fins medicinais, produção de medicamentos e pesquisa científica.

A decisão foi aprovada pelo plenário do CFM e pede a revogação e o cancelamento da abertura de consulta pública sobre o tema. Segundo o texto, a decisão da Anvisa “desconsidera evidências científicas e não garante efetividade e segurança para os pacientes”. (Veja a íntegra da nota abaixo.)

A agência aprovou duas propostas preliminares. A votação foi unânime: os quatro diretores aprovaram os textos que foram elaborados pela área técnica da agência, enfatizando a necessidade de que a consulta pública garanta à população transparência e divulgação dos dados e evidências a respeito do tema.

Segundo o presidente do CFM, Carlos Vital, “a maconha não é uma droga inofensiva e são vastas as evidências científicas de que o uso precoce da droga leva à dependência”.

“Acreditamos que é nossa missão informar e conscientizar a comunidade médica e científica, bem como educadores, legisladores, gestores e o público em geral, sobre o tema”, se posiciona Vital, em nota.

As propostas

A primeira proposta é para uma resolução que normatize os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo de Cannabis sativa para fins medicinais e científicos. Já a segunda é uma proposta de resolução para definir procedimentos específicos para registro e monitoramento de medicamentos feitos com base em Cannabis sativa ou seus derivados e análogos sintéticos.

O que propõem as duas resoluções:

Cultivo

Uma das resoluções a serem avaliadas tem como objetivo a regulamentação dos requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta com fins medicinais e científicos – desde o plantio até a fase de secagem e distribuição.

A resolução prevê o cultivo somente em sistemas de ambiente fechado e por pessoas jurídicas. O cidadão comum (pessoa física) não poderia ter pés de maconha em casa. Para cultivar, seria preciso ter uma autorização especial da Anvisa e supervisão da Polícia Federal.

Essa inspeção da agência reguladora exigiria, entre outras coisas, um rígido sistema de segurança com controle de acesso por biometria, alarmes e proteção de janelas duplas. Além disso, o local não pode ter identificação externa.

A venda e a entrega da planta produzida seriam somente para instituições de pesquisa, fabricantes de insumos farmacêuticos e fabricantes de medicamentos. O transporte teria de ser feito em veículos especiais.

A autorização para cultivo valeria por 2 anos, podendo ser renovada, e haveria uma cota de cultivo e controle de estoques e de liberação do produto.

Medicamentos

A segunda resolução tem como objetivo definir procedimentos específicos para registro e monitoramento de medicamentos à base de cannabis, seus derivados e análogos sintéticos. Isso inclui os fitoterápicos.

A regulamentação se aplica aos medicamentos nas formas de cápsula, comprimido, pó, líquido, solução ou suspensão (misturas) com administração por via oral.

As próprias empresas deveriam pedir à Anvisa o registro para produção desses medicamentos. Atualmente, há somente um medicamento com cannabis registrado no Brasil, o Mevatyl.

Não haveria uma lista prévia de doenças: a agência analisará registro por registro, conforme os pedidos. Medicamentos já registrados em outros países deverão apresentar relatório técnico de avaliação do remédio emitido pelas respectivas autoridades reguladoras.

O registro inicial teria validade de 3 anos e as renovações seguintes, de 5 anos. Geralmente, para os outros medicamentos, o primeiro registro já vale por 5 anos.

Depois de aprovado o registro, a empresa teria 30 dias para definição do preço máximo e 365 dias para colocar o remédio no mercado. A resolução já prevê a venda em farmácias. A maioria deve ser com retenção de receita médica, mas cada caso seria analisado individualmente.

Neste momento, a Anvisa não tem nenhum pedido de registro pendente.

Haveria, pela proposta, um monitoramento do mercado com fiscalização constante e canais de atendimento para dúvidas de consumidores.

Regras atuais

Atualmente, é proibido cultivar a planta de cannabis em território brasileiro. A lei determina que quem produz a cannabis para consumo pessoal está sujeito à prestação de serviços à comunidade e ao comparecimento a programa educativo, sem fazer ressalva ao uso médico.

Mas, nos últimos anos, a Anvisa e o Poder Judiciário já deram alguns passos no sentido de liberar o cultivo da planta para fins medicinais e científicos. Veja alguns deles abaixo:

Janeiro de 2015: Retirada do canabidiol da lista de substâncias de uso proscrito, abrindo caminho para facilitar a comercialização de medicamentos com a substância no país;

Março de 2016: Autorização da prescrição de remédios à base de canabidiol e THC no Brasil;

Janeiro de 2017: Registro do primeiro remédio à base de maconha no Brasil, o Mevatyl, droga já aprovada em outros 28 países;

Abril de 2017: A Justiça Federal na Paraíba autorizou uma associação de João Pessoa a cultivar maconha para fins exclusivamente medicinais;

Maio de 2017: Inclusão da Cannabis sativa na Lista Completa das Denominações Comuns Brasileiras (DCB) sob a categoria de "planta medicinal".

A ideia é que, ao regulamentar o cultivo da planta, caia o custo da produção de medicamentos com base na Cannabis sativa, e que se reduza também o número de ações judiciais para compra de remédios não registrados no Brasil.

Pacientes que sofrem de diversas doenças podem ser beneficiados com a mudança na regras, entre eles os que têm esclerose múltipla, autismo e dores crônicas oncológicas.

As propostas avaliadas nesta terça não preveem a liberação do cultivo nem do consumo de maconha para fins recreativos.


Íntegra da nota:

NOTA AOS BRASILEIROS

CFM e ABP pedem revogação de atos que podem liberar o cultivo da maconha no País

Diante da decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de aprovar propostas preliminares para liberar no Brasil o cultivo da planta Cannabis sativa L. (maconha) com fins medicinais e científicos e a produção de medicamentos derivados da droga, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria vêm a público alertar a população e os tomadores de decisão para o alto risco envolvido nessa ação.

Essa proposta, que ainda depende de consulta pública para entrar em vigor, desconsidera evidências científicas, de que o uso da Cannabis sativa L. in natura e de seus derivados não garantem efetividade e segurança para os pacientes.

Até o momento, somente o canabidiol, um dos derivados da Cannabis sativa L., por ter mínimos estudos em forma de pesquisa, tem autorização para uso compassivo sob prescrição médica no tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes refratários aos métodos convencionais. Isso está previsto na Resolução CFM nº 2.113/2014, que, por sua vez, proíbe aos médicos a prescrição da Cannabis in natura para uso medicinal, bem como de quaisquer outros derivados que não o canabidiol.

Ao admitir a possibilidade de liberação de cultivo e de processamento dessa droga no País, a Anvisa assume postura equivocada, ignorando os riscos à saúde pública que decorrem dessa medida.

Assim, o CFM e a ABP solicitam a revogação das propostas aprovadas pela diretoria da Anvisa e o cancelamento da consulta pública sobre o tema. Considerando que a Lei nº 12.842/2013 atribui ao Conselho Federal de Medicina a responsabilidade de avaliar e aprovar novos procedimentos médicos no País, solicita-se que o tema seja discutido com os representantes da autarquia antes de qualquer outra iniciativa.

Brasília, 13 de junho de 2019.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM)
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA (ABP)