21/05/2019 - Por: Mariza Tavares (G1)

Gerard Francisco, diretor médico do Memorial Hermann Rehabilitation Network e professor da Universidade do Texas (Divulgação G1)

No Brasil, o número impressionante de cerca de 100 mil mortes por ano causadas por AVC (acidente vascular cerebral) indica apenas parte do problema. Além disso, o derrame, como é conhecido popularmente, também é a primeira causa de incapacidade no país. As pessoas sabem que um estilo de vida saudável tem papel crucial para prevenir a doença, mas o que pode fazer diferença na recuperação de um paciente que sofreu AVC?

Esse era o assunto da palestra a que assisti na última quinta-feira no Rio, dada por Gerard Francisco, diretor médico do Memorial Hermann Rehabilitation Network e professor da Universidade do Texas. Nos Estados Unidos, a cada 40 segundos uma pessoa sofre derrame e uma morre a cada quatro minutos. O campo de atuação do doutor Francisco é o tratamento da espasticidade pós-AVC – traduzindo para nós, leigos, trata-se da rigidez que acomete os músculos neste quadro.

Cerca de 40% dos pacientes desenvolvem espasticidade e ele enfatiza que iniciar na hora certa a aplicação de toxina botulínica, o conhecido botox da dermatologia estética, previne uma série de complicações. “Uma de minhas preocupações é o momento adequado no qual devemos iniciar o tratamento. Estudos mostram que uma intervenção mais precoce pode reduzir danos”, afirma. Esta é uma sequela comum em quem sofre doença neurológica que provoque lesões de células do sistema nervoso responsáveis pelo controle dos movimentos voluntários. A toxina botulínica já é empregada há 30 anos. Aprovada pela Anvisa desde 1992, o procedimento faz parte do SUS e está incluído na cobertura dos planos de saúde.

O que o professor Francisco ressalta é a importância de a aplicação do botox ser feita num prazo que maximize seus benefícios. “A espasticidade dificulta a recuperação das funções. A rigidez dos músculos chega a um patamar que prejudica o trabalho do fisioterapeuta, que não consegue realizar os exercícios necessários. Depois de tratar a espasticidade, melhoram as chances de êxito para a fisioterapia, por isso é indispensável combinar a toxina com a estimulação e a reabilitação motora. Ao contrário do que pacientes e familiares às vezes pensam, essa rigidez não significa força, na verdade mascara a fraqueza”, explicou.

Ele citou casos como o da pessoa que fica com o punho tão cerrado que não consegue fazer a higiene da mão; ou aquela que não consegue baixar o cotovelo e fica impedida de vestir uma camisa. Em sua apresentação, lembrou que, depois de dez dias do AVC, é comum que a rigidez ocorra; no entanto, quando esta acontece quatro semanas depois do episódio, aumenta a probabilidade de ser severa. Sobre o momento certo de intervir, contou que a aplicação mais precoce de toxina que fez foi num indivíduo que havia sofrido derrame apenas três semanas e meia antes. “A espasticidade tem um pico depois do AVC e é importante a observação de sinais de rigidez para atuarmos prontamente inclusive no manejo da dor”, acrescentou.

O botox pode ser ministrado em qualquer músculo do corpo afetado pela rigidez e o medicamento começa a agir em 72 horas. A melhora surge, em média, em 15 dias e atinge seu pico em um mês – normalmente são feitas aplicações a cada três meses. O neurologista Flavio Henrique Rezende Costa, professor adjunto da UFRJ e neurologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, participou do evento e lembrou que o botox começou a ser utilizado, na década de 1970, para casos de estrabismo: “só depois a toxina botulínica passou a ser empregada para fins estéticos e na área da neurologia. Trata-se de uma substância que vem se renovando e costumo dizer que a versão 3.0 do botox é o uso nos casos de espasticidade e em distúrbios do movimento presentes em doenças neurológicas”.