10/01/2019 - Por: O Globo On

A depressão, ainda vista como um tabu nas empresas, é a principal causa do afastamento de funcionários (Foto: Google Search Engine)

Reza a lenda que ao acomodar um sapo dentro da panela, ele não sente a água esquentar aos poucos. Ele se ajusta. Somente a fervura aguça seu instinto de sobrevivência, mas aí já é tarde demais: ele não tem força para sair. A história, conhecida como a síndrome do sapo fervido, retrata o quão difícil é saber é hora de “pular fora” antes que seja tarde.

Em um contexto de crise, mudanças trabalhistas e alto índice de desemprego — 12,2 milhões de brasileiros no último registro, em novembro — a resiliência é uma característica necessária. Contudo, ser resistente e flexível demais pode pôr em risco a saúde do trabalhador e afetar a equipe e a empresa.

Não por acaso, Nelson Karam, supervisor do núcleo de políticas públicas do Dieese (que produz um anuário sobre a saúde do trabalhador), diz que as causas psicossociais que mais geram afastamento de trabalhadores no Brasil têm origem no estresse, na depressão e no excesso de trabalho. Segundo ele, este quadro se agravou nos últimos anos com a conjuntura da crise, pois o medo do desemprego levou os profissionais a se sujeitarem a situações mais degradantes. Além disso, as novas modalidades intermitentes, em que se fica à disposição da empresa em tempo integral, e a precarização das condições de trabalho, passaram a influenciar.

— Essas mudanças no mercado têm gerado um sofrimento adicional. Com o aumento da informalidade, a pessoa chega a ser responsável por um acidente de trabalho, e não o contratante, por exemplo.

Ano Novo, vida nova?

Depois do recesso de fim de ano, janeiro costuma trazer um frescor para enfrentar os próximos 11 meses. Mas, para não chegar ao ponto do sapo fervido em dezembro, é importante o profissional saber quando é apenas um estresse comum e quando o fardo está se tornando muito pesado a ponto de comprometer a saúde. As consequências vão desde sintomas físicos, como falta de ar e insônia, a quadros como a depressão.

Afora os casos mais severos de saúde, há formas de driblar o desgaste diário e natural no trabalho, como técnicas de escape que podem ser aplicadas durante o expediente. E seja por valores, alinhamento de cultura ou por entender que cuidar da saúde física e mental do trabalhador se reflete diretamente em saúde financeira da empresa, as companhias investem em ações, quase sempre voltadas para atividades físicas e serviços que aliviam a tensão, como massagens e meditação.

Há ainda alguns mimos, como na L’Oréal. No escritório do Centro do Rio, os funcionários podem fazer as unhas, por exemplo. A diretora de remuneração e benefícios Patricia Mirilli explica que o serviço faz parte de um pacote de benefícios implementados recentemente, que inclui bermudas para homens, ginástica laboral, massagem e, em breve, um salão de beleza para os funcionários.

Manicure e massagem

Os custos de tais benefícios variam e podem ou não ser bancados pela empresa. Massagens rápidas e programas para corridas coletivas ou incentivos a uma vida mais saudável são as mais comuns. A partir de uma pesquisa interna, a Votorantim S.A., por exemplo, começou a oferecer a massagem gratuita durante o expediente. De acordo com uma pesquisa interna para mapear a saúde dos funcionários, realizada anualmente, de 2017 para 2018 houve diminuição no número de profissionais que reclamam de dores nas costas. Em contrapartida, foi registrado aumento na concentração e produtividade.

Já no escritório do LinkedIn, em São Paulo, os funcionários têm reembolso de até R$ 4 mil para fazer drenagem, shiatsu e quiropraxia.

— Se não fizer na empresa, vai fazer fora e vai acabar saindo mais cedo. Há um ônus aí, o custo-benefício é bom. Não temos como mensurar, mas percebemos um engajamento maior. Estas pausas ajudam a oxigenar a mente — explica Alexandre Ullmann, diretor de RH do LinkedIn América Latina.

— Além disso, temos um instrutor de meditação duas vezes por semana. Também enviamos e-mails e recados incentivando a prática, e um aplicativo em que o profissional pontua suas atividades físicas e depois pode trocar por itens, como tapete de ioga e roupa de academia.

A fabricante de alimentos e chocolates Mars também oferece ações que ajudam a ter um ambiente mais agradável. Entre estas, manicure e sala de jogos, massagem rápida, orientação nutricional, grupos de corrida, dias de visita das famílias, animais de estimação no trabalho, consultoria gratuita para temas jurídicos, psicológicos e financeiros, expedientes reduzidos nas sextas-feiras e licença maternidade de 12 meses.

Outras empresas que oferecem serviços para a saúde do trabalhador são a Nestlé, com um programa que estimula mudanças de hábitos de vida; a Natura, que desenvolveu um canal com atendimento e consultas especializadas; o Club Med, com corrida anual, costureira e manicure; e a Vivo, com sala e aplicativo de meditação para os funcionários. A Unimed-Rio também tem shiatsu e um clube de corrida para funcionários.

— Se o colaborador se sente bem cuidado, cuida bem do cliente. Sem contar que alivia o dia a dia e as pessoas acabam se integrando mais — diz Alessandra Cabral, gerente de recursos humanos da Unimed-Rio.

Não adianta massagem se o ambiente não for saudável

Doenças mentais ainda são malvistas e empresas não se deram conta de que a saúde do funcionário afeta suas finanças. Para quem não tem estas ações paliativas no local de trabalho, a psicóloga especializada na saúde mental relacionada ao trabalho Karina Mesquita sugere que o próprio funcionário faça seu escape com atividades físicas, meditação e exercícios de respiração durante o expediente.

— Uma pausa de cinco minutos para falar com quem gosta e ter uma agenda pessoal ajudam a lembrar que você tem uma vida lá fora.

Wilma Dal Col, diretora do ManpowerGroup, acrescenta que entender o que está ou não no nosso poder de ação e de influência ajuda nesse processo.

— Muitas vezes, os momentos difíceis são a soma de muitas tensões, emoções e problemas misturados. Devemos botá-los em seu devido lugar, e não em todos os lugares.

Para Karina e Nelson Karam, do Dieese, as técnicas das empresas ajudam mas não resolvem o problema da exaustão crônica que leva às doenças psicossociais. É preciso coerência entre o que é dito e o que é praticado.

— Não adianta fazer massagem se a meta é inatingível, se houver assédio do chefe ou ameaça do desemprego. O ideal é oferecer um espaço de diálogo — diz Karam.

Segundo ele, a cada três anos, em média, as empresas mudam quase todo o seu quadro de profissionais no país.

— É mais fácil mandar embora do que resolver o problema — resume ele.

No Brasil, o preconceito e a falta de suporte são alarmantes em casos de doenças mentais causadas pelo esgotamento no trabalho. Por um lado, o próprio funcionário se sente fraco. Por outro, a empresa prefere cortar o colaborador.

— A saúde mental do trabalhador ainda é um tabu no Brasil. Países da Escandinávia estão mais avançados, com programas especiais para esse tema. As corporações lá já entendem que isso é um pilar para o mercado de trabalho.

Foi o caso da coordenadora administrativa Célia de Moura, que chegou ao limite na antiga empresa. Após constantes mudanças, de setor e de cidade, desvalorização, cobrança excessiva de resultados e da mãe doente, ela conta que entrou em depressão e foi afastada por quatro meses para tratamento. Na volta à empresa, foi demitida.

Célia, assim como milhares de profissionais, tentou segurar o quanto deu e não percebeu a “água esquentar”: — Você vai ficando porque precisa do dinheiro e, com 46 anos, achei que não teria espaço no mercado. Mas me arrependo de não ter saído antes. É melhor perder o dinheiro do que a saúde e coisas importantes, como a família — avalia Célia.

Se ficar o bicho pega

Karina chama a atenção para dois problemas recorrentes nas empresas: o absenteísmo (quando o funcionário falta com frequência ou se afasta), e o presenteísmo (quando apesar de estar fisicamente na companhia a cabeça está longe, e a produtividade cai).

— O Brasil está sendo considerado o “país mais ansioso” do mundo. O absenteísmo tem um índice de afastamento altíssimo e no presenteísmo o funcionário está doente e produz pouco, mas não fala com medo de ser demitido. Às vezes nem vai ao médico do plano para a empresa não saber… E isso afeta a equipe e a empresa, que talvez precise fazer uma nova contratação — explica ela.

Karina diz ainda que, quando as despesas pela improdutividade do trabalhador se tornarem mais palpáveis, as empresas vão começar a pensar mais no assunto.

O diretor da Associação Nacional de Medicina do Trabalho e perito médico do INSS João Silvestre Silva-Junior acrescenta que o estresse é algo comum na vida profissional. O problema é quando a corda estica muito.

— Se não houver uma adaptação ou redução do estresse, isso vai levar à situação de esgotamento e exaustão, que podem gerar doenças como alcoolismo, depressão e ansiedade, assim como problemas musculares e gastrointestinais.

Ele concorda com os outros especialistas e explica que, no caso de transtornos mentais causados por um longo período de estresse, a depressão é a principal, sendo que ansiedade e síndrome do pânico têm crescido.

— Estudos mostram que, em épocas de crise, as companhias se reestruturam e nesse processo aumentam a carga e o estresse. Os profissionais trabalham mais, com o mesmo salário e as mesmas metas, fora a insegurança de ser demitido. Isso faz com que eles trabalhem doentes — diz Silva-Junior.

O que as empresas podem fazer antes, durante e após

O diretor da Associação Nacional de Medicina do Trabalho e perito médico do INSS, João Silvestre Silva-Junior, lembra que cada pessoa tem seu limite. E ressalta que é bom reconhecê-lo antes que se torne grave e que impacte a vida da pessoas.

Segundo ele, há algumas medidas que as empresas podem tomar, como negociar prazos e fazer cobranças mais próximas da realidade. Por outro lado, o funcionário também deve entender que prazos e metas fazem parte do trabalho. É uma questão de equilíbrio.

Silva-Junior defende que as empresas, além de ações paliativas como massagens e atividades físicas — que são importantes, ressalta — devem ir no “x” da questão.

— Não adianta estimular oito horas de sono e não dar chance para o funcionário almoçar ou descansar. É preciso gerenciar e mitigar as situações reais de estresse.

Outro problema é que muitas empresas não sabem lidar com as doenças.

— Tem que ter um serviço médico aberto para educar e acompanhar o profissional. E quando o funcionário já apresentou atestado, a companhia deve acolhê-lo na volta. Elas são obrigadas a receber, mas nem sempre isso acontece.

Pequenas pausas no dia

  • Respire. Parece bobagem, mas respire fundo três vezes para ver se já não sente mudança. Hoje, há vários métodos de respiração, inclusive disponíveis na internet
  • Tenha uma agenda pessoal e busque cumprir os compromissos nela com o mesmo empenho da profissional. Isso lhe ajuda a lembrar que há uma vida fora do trabalho
  • Tire cinco minutos para um café ou para falar com alguém que goste
  • Medite, ore ou algo que faça bem para a mente
  • Atividades físicas também são fundamentais, pois, além do benefício à saúde, ajudam a aliviar a tensão do dia
  • Se sentir que está cada dia mais difícil de acordar para ir trabalhar, sinal amarelo, busque ajuda de um profissional
  • Tenha foco. Avalie se a cultura e os valores da empresa está de acordo com os seus
  • Em casos de sobrecarga de horas ou metas que fogem da realidade, converse com seu gestor para ver a se há a possibilidade de ajuste
  • Caso o estresse seja contínuo a ponto de deixá-lo doente, seja física ou psicologicamente, busque ajuda e, talvez, um novo emprego.